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“Identidade Ucraniana” - entrevista do escritor ucraniano Andrey Kurkov para Euronews
31 julho 2014 22:49

“Identidade Ucraniana” - entrevista com escritor ucraniano Andrey Kurkov
euronews – 31/07

“Moro a 500 metros de Maidan”. É com estas palavras que o escritor ucraniano Andrey Kurkov inicia o seu discurso sobre os acontecimentos revolucionários que tiveram lugar em Kiev neste inverno. No seu “Diário de Maidan”, o escritor apresenta um testemunho detalhado do que estava a acontecer na capital ucraniana de novembro de 2013 a abril de 2014. Este ano Kurkov foi condecorado com a Ordem da Legião de Honra. De visita a França para promover o livro, o escritor partilhou as suas ideias sobre a identidade ucraniana.

Maria Ieshchenko, euronews: Os seus livros foram traduzidos em 30 idiomas, viaja muito, dá palestras e comunica-se muito com os seus leitores. Se tivesse a oportunidade de destruir a visão estereotipada da Ucrânia por parte dos europeus, como o faria?

Andrey Kurkov: Antes de mais, seria quebrar um velho clichê que ainda é utilizado por jornalistas estrangeiros – sobre a Ucrânia estar dividida na parte oriental pró-Rússia e Ocidental. Quando me encontro com estudantes universitários, não vejo qualquer diferença entre os alunos de Donetsk (leste) e de Lviv (oeste). Os jovens são semelhantes em todos os locais, relacionam-se com a Europa e não com a Rússia, pensam sobre a sua carreira e sobre as realizações futuras. No entanto, a maioria da população nasceu na ex-URSS, é claro. É muito difícil mudar a mentalidade das pessoas, mas é necessário encontrar um território comum.

Maria Ieshchenko: No seu mais recente livro “Diário de Maidan” compara a Ucrânia a uma criança doente rodeada de “adultos preocupados” – a UE e os EUA. Mas se a Ucrânia fosse integrada na Europa com este status de “criança doente”, existe um risco de que essa marca fique para sempre? Que o país passe muitos anos a dever a sua salvação à Europa?

Andrey Kurkov: Não creio que exista tal risco. Em primeiro lugar, porque a Ucrânia não se vai tornar um membro da União Europeia, enquanto continuar a ser uma “criança doente”. Claro que vai ser “tratada” de alguma forma primeiro. E em segundo lugar, haverá sempre outras “crianças doentes” que a Europa vai ter de tratar. Por outro lado, a Ucrânia podia trazer para o espaço social e cultural pan-europeu um novo significado sobre o valor de cada nação no seio da UE, porque se hoje a Ucrânia está a ficar mais perto da Europa é devido à luta para restaurar a dignidade nacional de novo. A Europa não pode deixar de ver isso.

Maria Ieshchenko: Na sua trilogia “A geografia de um único tiro” que demorou 9 anos a escrever, estuda o fenómeno da chamada “pessoa Soviética” (Homo sovieticus) e a “mentalidade soviética”. O que quer dizer com isso em concreto?

Andrey Kurkov: A mentalidade soviética é voltada apenas para as grandes massas, onde nenhum indivíduo, nenhuma pessoa tem valor e não desempenha nenhum papel, a menos que seja um líder. A Ucrânia nunca aceitou tal mentalidade porque os ucranianos são como os individualistas europeus normais e vem-nos à cabeça uma imagem de agricultores egocêntricos. Isso quer dizer que estão bem preparados para discutir sobre os limites do seu território, mas não estariam ansiosos para participar numa grande festa. Este último é um claro sinal de anormalidade para a Ucrânia e é por isso que temos 184 partidos políticos registados que não têm ideologia alguma. Todos os ucranianos podem e normalmente realizam o seu sonho quando sabem que o seu futuro só depende deles e não do sistema, do grande chefe do partido, do chefe de Estado ou de qualquer outra coisa relacionada.

Maria Ieshchenko: Que papel pode e deve ter a comunidade cultural e intelectual na Ucrânia de hoje, neste momento difícil?

Andrey Kurkov: Os nossos escritores são muito bons em debates públicos. Muitos deles são bloggers talentosos que levantam questões importantes nos seus artigos e colunas. O que precisamos agora é de um debate ativo e dinâmico, uma competição de palavras, de ideias e questões filosóficas. Tenho viajado por toda a França durante mais de 15 anos, com os meus livros, é claro, mas converso mais sobre a Ucrânia do que sobre os meus livros. Acho que isso também contribuiu para que as pessoas em França saibam muito mais sobre a Ucrânia e finalmente consigam distinguir a Ucrânia da Rússia.

Maria Ieshchenko: Concorda que é muito mais fácil ser patriota de um país bem sucedido e próspero do que de um conturbado e em crise profunda?

Andrey Kurkov: Sim, com certeza que é mais agradável ser um patriota francês, gostar dos Alpes,de Annecy, de Paris ou Estrasburgo. É muito mais difícil sentir qualquer patriotismo em Zhytomyr ou nessa região. Mas, quando eventos históricos obrigam a um certo momento da verdade para todo o país – quando a sua própria existência está em jogo -, então esse sentimento de patriotismo aumenta dentro de cada indivíduo, independentemente de onde a pessoa nasceu ou o idioma que fala. Se esta pessoa tem um passaporte ucraniano e percebe que esta é a Pátria que precisa de ajuda, aparece o desejo de fazer alguma coisa para ajudar o país a sobreviver. Este sentimento de patriotismo também trará novos líderes políticos, a jovem geração de pessoas que vai ser completamente diferente da geração pós-soviética e pós-comunista.

Maria Ieshchenko: Muitas figuras culturais: escritores, realizadores, fotógrafos referem-se aos eventos de inverno na Ucrânia… Descrevem-nos nas suas obras. Mas onde está afronteira, a divisão de águas entre homenagear um ponto de viragem histórico para o país e o fazer dinheiro com um tema que vende bem?

Andrey Kurkov: Lembro-me dos acontecimentos de 1986, aquando do desastre de Chernobyl e alguém me perguntou – “Quando vai começar a escrever um livro sobre o desastre de Chernobyl?” – E eu disse que não o iria fazer, porque esse era um drama real, uma tragédia da vida real que mudou a vida de milhões de pessoas. É matéria para uma prosa documental. Depois, houve uma Revolução Laranja de 2004 e 5 ou 6 livros foram publicados imediatamente e 2 ou 3 filmes lançados – todos esses contos de fadas de histórias de amor em Maidan em Kiev, e todas essas histórias já foram esquecidas, porque os acontecimentos reais foram muito mais dramáticos do que o fruto da imaginação dos escritores e realizadores de cinema. Podemos dizer o mesmo sobre este inverno: não importa o talento do escritor, ele nunca seria capaz de recriar com verdade e credibilidade esses eventos ou criar as personagens reais do verdadeiro Maidan – as pessoas verdadeiras, sinceras e persistentes que estavam lá. A realidade era tão dramática que não se deve tentar mudá-la, deve permanecer inalterada.

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