Entrevista com Eduard Kuznietsov, 1º Vice-Presidente da Associação Aeroespacial da Ucrânia, para a agencia de informações Space-Inform.
10 de agosto de 2015, www.space.com.ua
Dossiê. Eduard Kuznietsov é o 1º Vice-Presidente da Associação Aeroespacial da Ucrânia. Entres os anos de 1995 e 2010, foi Vice-Diretor Geral da Agencia Espacial Nacional da Ucrânia, um veterano da área espacial, trabalhador honrado da indústria e laureado com prêmio da Ucrânia na área de ciência e tecnologia.
- Sr. Kuznietsov, no mês passado o senhor concedeu entrevista a nossa Agencia intitulada “O futuro nebuloso da base na selva Amazônica” sobre o destino do projeto ucraniano-brasileiro para a construção do sitio do veículo-lançador Cyclone-4 no centro de Alcântara. Passado um mês do anúncio de que a Parte Brasileira oficialmente comunicou sobre a sua saída deste projeto.
- Sim, após dois anos de promessas “nebulosas” e negociações pouco sinceras a Parte Brasileira anunciou a sua decisão, que já tinha tomado mais cedo. Em 24 de julho deste ano, a Parte Brasileira aprovou um decreto para denúncia do Tratado sobre a cooperação neste projeto. Em minha opinião, a decisão não é ponderada e bem pensada, e suas consequências poderão ser imprevistas para este país.
- Em sua opinião, como será o futuro espacial do Brasil e Ucrânia depois de rompimento do Tratado?
- Apesar da complexidade da sua pergunta, tentarei fazer uma previsão. O rompimento de um trabalho comum sempre acarreta perdas: para uns elas são maiores, para outros, menores. Como se fosse uma família. Inicialmente, planos conjuntos, esperanças, entusiasmo... E após um divórcio repentino, vem a divisão dos bens, processos judiciais, traumas morais e psicológicos. Em seguida, cada um recomeça a sua vida praticamente do zero. A única coisa que cada parte ganhou neste período é a experiência e as lições para o futuro. Nós entendemos que é preciso escolher o parceiro de forma meticulosa e cuidadosa, no qual se pode confiar sinceramente, dividir as vitórias e dificuldades de vida e juntos buscar uma meta comum.
O nosso “matrimônio” com o Brasil não deu certo. O Brasil viu-se despreparado para as relações de alto nível e não aguentou a dita pressão da “má” sogra.
No entanto, se deixarmos a firula de lado, o Brasil, por no mínimo 10 anos, não poderá nem pensar em conquistar o status de potência espacial.
Acredito que a saída deste projeto freará o desenvolvimento científico e tecnológico do estado brasileiro, o nível das pesquisas cientificas e o uso das próprias tecnologias de ponta na economia do país. E o mais importante: ele perderá a chance de ganhar acesso independente ao espaço e se tornar líder na America Latina no que diz respeito ao uso das tecnologias aeroespaciais.
A assinatura do Tratado entre a Ucrânia e o Brasil, em 1999, sobre Cooperação nos Usos Pacíficos do Espaço Exterior era bastante perspectiva e definiu a direção da nossa cooperação por mais de uma década. A minha opinião é de que os Presidentes da Ucrânia e do Brasil, que “abençoaram” este projeto à época, entenderiam de forma negativa esta decisão da Parte Brasileira.
- Quão importante é o status de potência espacial?
- No século XXI, mais países querem fazer parte da elite do “clube espacial”, do qual participam os países mais desenvolvidos do mundo. Pertencer a este clube é sinal certo do nível de desenvolvimento do país, seu potencial científico e tecnológico. Participar desta associação informal é bem prestigioso, pois vivemos numa época de tecnologia de ponta, com uma sociedade informatizada, desenvolvimento de pesquisas espaciais e seu uso grandioso para a melhoria da vida humana na Terra.
- O que foi feito neste entretempo na Ucrânia?
- Para a realização deste projeto foram unidos esforços de várias empresas da área espacial e de outras indústrias da Ucrânia. Como consequência, obtivemos um novo veículo-lançador moderno e criamos o seu sistema de controle. Foi desenvolvido e testado, num voo espacial no veículo-lançador Dnepr, um sistema único de controle de bordo baseado em giroscópios a laser, criado o sistema de ignição múltipla dos motores de foguete do 3º estágio para a correção de órbita, bem como verificada a tecnologia nacional de construção do bloco de carenagem. Nós não tivemos experiência em construção dos sítios de lançamento, e como a Rússia se recusou a participar de seu desenvolvimento e construção, tivemos que solucionar isso sozinhos e em um prazo muito curto.
- Sabemos que o mundo todo acompanhou de perto a realização deste projeto, especialmente os concorrentes do mercado de serviços de lançamento.
- Sentimos isso sempre, pois no mercado espacial internacional, que, aliás, movimenta dezenas de bilhões de dólares, a concorrência é bem acirrada. Me recordo que em meados de 1990 o veículo-lançador Zenith-2, o qual deveria lançar em órbita 36 satélites do sistema Globalstar, foi retirado deste mercado e entendo porque o primeiro lançamento deste sistema com 12 satélites não foi bem sucedido. Quanto a nossa situação, todos os países interessados se tornaram testemunhas de que neste projeto o Brasil se mostrou como um parceiro de pouca confiança que em qualquer momento, até mesmo no final do projeto, pode se recusar das suas obrigações. Acredito que isto não contribua para o aumento do prestígio deste país na arena internacional.
Além disso, o Brasil tomou a decisão de sair do projeto sem levar em consideração os interesses do nosso país e suas despesas financeiras para este projeto.
- Quais foram as despesas das Partes do projeto?
- A Parte brasileira sozinha pode contabilizar suas despesas. Ressalto apenas que, além das financeiras, há ainda perdas morais e políticas, e a reação da sociedade brasileira com a saída deste projeto talvez seja ambígua.
A Ucrânia também teve perdas: tempo gasto de quase 10 anos, empréstimos que devem ser devolvidos aos credores, diferentemente do Brasil que financiou este projeto com seu dinheiro público, assim como a perda de certas posições no mercado internacional de serviços de lançamento.
- Mas como a neblina sobre a Alcântara se dissipou, talvez aqui ainda poderemos ver o sol? Conforme as recentes informações da mídia russa, a Rússia planeja construir lá o Sitio de Lançamento para seu veículo de lançamento Angara. Como você comentaria isso?
- Eu acho que nos próximos anos vamos assistir apenas o "eclipse do Sol".
Já conhecíamos os planos da Rússia sem essas informações. O lobby pró-russo no Ministério da Defesa do Brasil desempenhou um papel importante nesta situação. Ele venceu o bom senso. O objetivo da Federação Russa deveria ter sido outro: retirar o nosso Cyclone-4 desse lugar de lançamento, já que ele poderia ser um concorrente importante para o veículo-lançador Soyuz em Kourou. O Brasil não conseguiu resistir à pressão de um de seus parceiros no BRICS. Não sabemos se vai ter um lançamento do Angara a partir de Alcântara nos próximos 5 ou 10 anos. Eu só quero relembrar aos profissionais brasileiros a triste história do projeto russo-cazaque Baytarek e o destino do sítio do lançamento único, Sea Launch, tão logo comprado pela Rússia, bem como os problemas financeiros na construção do Centro de Lançamento Vostochnyi. Então, mais uma vez, destaco a decisão errada do Brasil no que concerne ao nosso projeto comum.
- Quais são os planos da Ucrânia após esses acontecimentos?
- Eu já disse que percebemos a indefinição da posição do Brasil referente a este projeto nos últimos 2 - 3 anos. Portanto, a Diretoria da Agência Espacial Estatal da Ucrânia não ficou de braços cruzados, pelo que eu saiba.
Nós já temos o mais importante, o produto final acabado: o Veículo de Lançamento Cyclone-4, equipado com modernos sistemas de controle, navegação e segurança. Porquanto a comissão de liquidação conduzir os seus trabalhos, acompanhada pelos processos judiciais e pela divisão dos ativos, devemos envidar nossos esforços para encontrar um parceiro confiável e uma nova localização para acomodar o sítio de lançamento do Cyclone-4.
- Obrigado pela entrevista interessante e espero que nossa indústria espacial supere, o mais rápido possível, as dificuldades temporárias.
Entrevista pelo Oleksandr Bobrovytskyi, Space-Inform
Histórico do projeto:
A cooperação entre a Ucrânia e o Brasil no setor espacial começou em novembro de 1999 após a assinatura do Acordo-Quadro sobre a Cooperação nos Usos Pacíficos do Espaço Exterior.
Em 21 de outubro de 2003, durante a visita oficial do Presidente da Ucrânia à República Federativa do Brasil, foi assinado o Tratado entre o Brasil e a Ucrânia sobre a Cooperação de Longo Prazo na Utilização do Veículo de Lançamento Cyclone-4 no Centro de Lançamento de Alcântara.
O projeto ucraniano-brasileiro Cyclone-4 previa a criação, na Ucrânia, do novo lançador Cyclone-4 e a construção do seu sítio de lançamento no Centro de Lançamento de Alcântara, no Brasil.
No ano 2004, o Tratado foi ratificado pelos Parlamentos da Ucrânia e Brasil. Após a ratificação do Tratado, a Ucrânia começou a trabalhar na criação do lançador Cyclone-4 e na preparação industrial para a sua produção.
Em 31 de agosto de 2007, numa base paritária de 50% a 50%, foi fundada e começou suas atividades em Brasília a binacional ucraniano-brasileira Alcântara Cyclone Space (ACS).
Em 2008, foi iniciada a criação do Sítio de Lançamento Cyclone-4.
Em abril de 2010, a ACS obteve licenças ambientais no Brasil e, em setembro de 2010, a licença para a implantação do Sítio de Lançamento.
Em 9 de setembro de 2010, no Centro de Lançamento de Alcântara, foi realizada a cerimônia de lançamento da "pedra fundamental" para a construção de Sítio de Lançamento Cyclone-4. No final de 2010, foi desmatada a área da ACS no Centro de Lançamento de Alcântara destinada à obra, bem como contratada a empreiteira para a construção da infraestrutura e instalações.
Em 2011, a obra no Centro de Lançamento Alcântara foi iniciada de forma dinâmica.
Em junho de 2012, por via marítima, foi enviado da Ucrânia para o Brasil o primeiro lote dos meios de apoio do solo destinados à montagem no Centro de Lançamento Alcântara.
Em março de 2013, devido a ausência de financiamento, as obras no Sítio de Lançamento foram paralisadas, e jamais foram reiniciadas.
Em abril de 2013, o segundo lote dos meios de apoio do solo foi fornecido pela Ucrânia.
Em 28 de maio de 2013, na cidade da Brasília, foi realizada a reunião ordinária da Assembleia Geral da Binacional Alcântara Cyclone Space. Foi conciliado um conjunto de medidas organizacionais e financeiras importantes relacionadas à continuidade do projeto ucraniano-brasileiro Cyclone-4.
Nos dias de 17 a 19 de setembro de 2014 terminou-se a entrega do terceiro lote dos meios de apoio do solo em Alcântara.
Em 27 de abril de 2015, em Brasília, sob a presidência do Presidente da Agencia Espacial Estatal da Ucrânia, Oleh Uruskyi, foi realizada a reunião ordinária do Conselho de Administração e da Assembléia Geral da ACS. Durante a reunião, as Partes encaminharam um pedido em conjunto sobre a realização do projeto Cyclone-4 para consideração da Assembleia Geral.
Em 30 de junho de 2015, foi realizada videoconferência com a participação, pela Parte ucraniana, do Presidente da SSAU, Oleh Uruskyi e, pela Parte brasileira, da Secretária Executiva do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, Emilia Maria Silva Ribeiro Curi. O Presidente informou que a Ucrânia enviaria uma Nota ao Ministério de Relações Exteriores do Brasil, exigindo que manifestasse seu posicionamento oficial sobre a continuidade do projeto.
Em 16 de julho de 2015, o Governo do Brasil, por intermédio da Nota SG/1/UCRA/ЕТЕС, comunicou ao Governo da Ucrânia a intenção de denunciar o Tratado entre o Brasil e a Ucrânia sobre a Cooperação de Longo Prazo na Utilização do Veículo de Lançamento Cyclone-4 no Centro de Lançamento de Alcântara.
Em 24 de julho de 2015, a Presidente do Brasil assinou o Decreto №8.494 publicando a denúncia do Tratado.
Em 27 de julho de 2015, o Decreto entrou em vigor na data de sua publicação.