Repórter especial de Tecnologia & Defesa, Kaiser David Konrad, de Zaparozhye
A cidade de Zaparozhye, no interior da Ucrânia, entrou para a história por ser a capital dos cossacos, um povo nativo daquela região, muito famoso pela sua coragem, bravura, força, capacidade guerreira e autossuficiência. A sua importância era tão grande que, durante a sua integração na Rússia, foi criada uma unidade militar totalmente integrada por eles. Os cossacos formaram a mais temida das tropas a serviço dos tzares, e tinham uma qualidade única, estarem sempre prontos para a guerra, seja qual fosse o inimigo e onde quer que ele estivesse.
A tradição e o espírito cossaco se mantiveram até os dias de hoje, tendo influenciado na vocação tecnológica da cidade, que abriga a maior fábrica de motores do país, especializada em turbinas a gás, motores para mísseis, foguetes, aviões e helicópteros. Ela foi a principal empresa especializada no desenvolvimento e produção de propulsores aeronáuticos durante o período soviético, e permanece sendo uma das líderes mundiais no segmento. Seus produtos estão em operação em 120 países, inclusive no Brasil.
Com um portfólio diversificado e domínio completo do ciclo tecnológico para produzir turbinas de diferentes tipos e aplicações, a empresa tem tido relevante participação na indústria de aviação de diversos países. No segmento de asas rotativas, fabrica as turbinas dos helicópteros Kamov e de toda linha de aeronaves de ataque Mil, que inclui os modelos Mi-24/25/35, e de transporte Mi-17, Mi-171 e o gigante Mi-26.
Seus motores são reconhecidos pela robustez e confiabilidade e são usados em diferentes tipos aeronaves, operando nos mais diversos ambientes que incluem locais com temperaturas extremas, em desertos, selvas ou nas gélidas regiões polares e montanhosas, sendo utilizados por Forças Armadas e usuários civis de todo mundo.
Em se falando de aviões, ganhou notoriedade por fabricar os propulsores do maior jato já produzido, o An-225, e todos os outros modelos da Antonov, incluindo o cargueiro internacional An-124 Ruslan, o An-70 e toda linha civil e militar da fabricante ucraniana. A empresa também fornece turbinas para aviões produzidos pela Tupolev, e os modelos anfíbios da Beriev.
Para aviões de caça, a Motor Sich tem se destacado pela sua presença em aparelhos de treinamento com propulsão a jato, como L-39, L-59 e o K-8, este montado sob licença na China e usado na América do Sul por Bolívia e Venezuela. Seu último contrato foi para a produção de turbinas para o novo caça de instrução avançada e ataque YAK-130, a primeira aeronave militar russa desenvolvida após o fim da União Soviética com alta tecnologia e potencial de exportação.
Seguindo os rígidos padrões e normas internacionais de qualidade e se-gurança, e possuindo todas as certificações civis e militares necessárias, a empresa tem um diferencial que está no fato de não ser somente uma desenvolvedora e integradora de motores, mas uma fábrica de todos os sistemas e peças integrantes, tendo domínio completo da fabricação e montagem dos diversos componentes. Com modernas instalações, tem capacidades de usinagem como poucas. Sua produção anual é de mais de mil turbinas aeronáuticas para dezenas de modelos. O número, que já é expressivo, torna-se maior considerando-se que outros países, como a China, montam suas turbinas sob licença.
A empresa ucra-niana possui centrais de manutenção para seus equipamentos e realiza nas suas instalações a modernização completa de helicópteros russos, fazendo a remotoriza-ção e a instalação de telas multifuncionais e sistemas de comunicações. Com uma frota própria de aviões de transporte, pode atuar em qualquer lugar, inclusive em zonas de conflito. Suas aeronaves podem buscar e entregar turbinas onde quer que sejam necessárias.
DE INTERESSE NACIONAL
A Motor Sich acaba de instalar um escritório em Brasília (DF) e desembarca no País com planos ambiciosos. Procurando um parceiro local para se instalar e produzir, quer colocar no Brasil sua primeira fábrica de turbinas. Em virtude do interesse nos helicópteros russos, inclusive após o anúncio da criação de uma joint venture para montar os Mi-8, as oportunidades têm crescido substancialmente. Mas as intenções da Motor Sich não se restringem apenas ao mercado de asas rotativas. Segundo uma fonte da empresa, ela teve seu modelo mais moderno de turbina considerado para o programa KC-390, o que já serviu para reconhecer o alto valor tecnológico agregado aos seus produtos.
Outras áreas também podem configurar parcerias estratégicas. Uma delas é que a Motor Sich estaria disposta a fabricar e manter as turbinas para o futuro veículo aéreo não-tri-pulado nacional. Com know how para a produção de pequenas, confiáveis e silenciosas turbinas, ela tem interesse de fazer parte do programa, trazendo tecnologia, conhecimento e manutenção in loco a serviço das Forças Armadas.
De acordo com uma fonte brasileira consultada por T&D na Ucrânia, "a possível entrada da Motor Sich no mercado aeroespacial brasileiro poderia ser estratégica ao nosso País, pois eles estão dispostos a compartilhar tecnologias chave que até então nenhuma outra empresa estrangeira do segmento quis".
Essas tecnologias seriam para foguetes e mísseis. Com a experiência de quem projetou e fabrica diversos motores e estágios para mísseis de cruzeiro e de outros tipos e aplicações, bem como foguetes de grande porte, a empresa, recentemente, enviou carta а Avibras Aeroespacial propondo a remotorização dos foguetes do lançador múltiplo Astros 2020, o que traria maiores capacidades e possibilitaria atingir alvos mais distantes.