Entrevista do Ministro da Defesa da Ucrânia Pavlo Lebedev à Tecnologia & Defesa
Тecnologia & Defesa - O senhor poderia falar sobre os desafios e ameaças atuais; as capacidade das Forças Armadas para exercer a tarefa de defender o Estado no âmbito do não alinhamento; e a estrutura geral e o armamento principal das Forças Armadas da Ucrânia?
Ministro Pavlo V. Lebedev - A doutrina do nosso país é a do não alinhamento. Não pretendemos brigar com ninguém, porém não deixaremos ninguém nos prejudicar. Somos uma nação que ama a paz e nós apoiamos esforços internacionais para promovê-la. Porém, o Exército sempre deverá estar pronto para repelir qualquer ameaça.
Nosso Estado considera sua política de não alinhamento como um fator importante na redução das tensões na situação político-militar na região; a participação ativa em operações internacionais de paz, sob a égide da ONU, OTAN e da OSCE; bem como o combate contra o terrorismo internacional, para contribuir para a segurança regional e global.
No ano passado, o presidente da Ucrânia - Comandante Supremo das Forças Armadas -, Viktor Yanukovich, aprovou um pacote de documentos conceituais na área de defesa. Na nova
Estratégia de Segurança Nacional, Doutrina Militar, Boletim de Defesa Estratégica da Ucrânia e no Conceito de Reforma e Desenvolvimento das Forças Armadas da Ucrânia, são definidos os desafios atuais e as ameaças а segurança nacional, as capacidades militares e direções para a reforma e desenvolvimento das tropas ucranianas.
As modernas Forças Armadas ucranianas são estruturalmente compostas de um Estado-Maior, Exército, Forças Aéreas e Navais. Tropas aero-transportadas altamente móveis, unidade geral operacional, armamento, retarguarda, bem como unidades militares, estabelecimentos de ensino, instituições e organizações da administração central. Mas, atualmente, estamos gradualmente passando para um novo modelo, mais sofisticado das Forças Armadas. Medidas de transformação serão implementadas no âmbito do Programa Estatal de reforma e desenvolvimento das Forças Armadas para o período até 2017. Componentes importantes desse trabalho são o aperfeiçoamento do sistema de gestão, que se baseia no princípio de liderança unificada de tropas, e a alteração do princípio de espécie para princípio interespecífico da estrutura organizacional das Forças Armadas e outros.
Os principais exemplos de armamentos e equipamentos que estão em uso nas Forças Armadas da Ucrânia, são o carro de combate T-64 e suas modificações, veículos blindados de combate BTR, BMP, BRM, sistemas de artilharia com calibres principais de 122mm e 152mm, sistemas lançadores de foguetes de artilharia Grad, Uragan, Smerch, aviões de combate MiG-29, Su-24, Su-25, Su-27, e de transporte IL-76, helicópteros Mi-24, Mi-8, Mi-26, Ka-19, navios de guerra, barcos, submarino "Zaporozhye". As empresas do complexo industrial militar ucraniano continuam a sua modernização.
T&D - Qual é o grau de participação da Ucrânia em operações de manutenção da paz e treinamentos multinacionais?
Ministro Lebedev - A Ucrânia é um parceiro ativo da União Europeia e da OTAN, na área da segurança. Nossa história como pacificadora começou em 3 de julho de 1992, com a aprovação, pelo Parlamento da Ucrânia, da resolução sobre a participação de batalhões das nossas Forças Armadas nas forças de manutenção da paz das Nações Unidas nas áreas de conflito na ex-Iugoslávia. Desde então, cerca de 37 mil militares ucranianos participaram de operações de paz em diversos "pontos quentes" do mundo.
Hoje, as Forças Armadas participam de várias operações de paz e segurança internacionais, na Missão das Nações Unidas na Libéria; na República Democrática do Congo; na KFOR, em Kosovo; nas Forças Temporárias de Segurança das Nações Unidas no Abey; na Missão da ONU no Sudão do Sul; Forças de Paz Conjuntas na região da Transnístria, na República da Moldávia; a Força Internacional de Assistência а Segurança, no Afeganistão; e a operação da União Europeia de combate а pirataria Atalanta. Em breve, pretendemos nos juntar а OTAN na Ocean Shield, de combate а pirataria.
Além disso, tentamos usar para treinamento das tropas o potencial dos exercícios multinacionais. Em 2012, as Forças Armadas participaram de 11 exercícios desse tipo: quatro na Ucrânia e sete no exterior. Nesses treinamentos participaram cerca de 2.140 militares ucranianos. Este ano vamos continuara ampliar nossa participação em treinamentos multinacionais. Seis deles estão agendados para ser realizados na Ucrânia e 19 no exterior.
T&D - Com a independência, a partir da dissolução da União Soviética, a Ucrânia tornou-se a terceira potência em arsenal nuclear do mundo. Seu governo, no entanto, decidiu eliminar essas armas do país. O senhor poderia revelar mais detalhes sobre isso?
Ministro Lebedev - A contribuição da Ucrânia para processo global de desarmamento nuclear é exemplo singular no mundo inteiro. Foi o nosso país que, pela primeira vez, levantou a questão de recusa completa de armas nucleares e foi por esse caminho até o fim, superando as dificuldades políticas, econômicas e sociais. Os fundamentais "princípios de recusa de armas nucleares"; "não aceitar e não fabricar ou adquirir armas nucleares" foram estabelecidos na Declaração de Soberania Estatal da Ucrânia, em 1990. Gostaria de destacar que a Ucrânia era a terceira potência mundial com seu arsenal nuclear (ver box), cedendo espaço somente para Rússia e Estados Unidos.
A etapa prática de desarmamento nuclear começou com a sua retirada do território da Ucrânia, até o final de maio de 1992, de armas nucleares táticas. O envio de mísseis balísticos para a Federação Russa durou de 1994 até 1996. Em 2 de junho de 1996, a Ucrânia tornou-se completamente livre de armas nucleares. Em 1999, para a Rússia foram transferidos 11 bombardeiros estratégicos capazes de transportar tais armas e o restante desses aviões foi desmontado. Há apenas duas aeronaves desse tipo, preservadas como peças de museu.
Em 2001, a Ucrânia colocou o ponto sobre o "i" com a eliminação do último sistema de lançamento em silo de mísseis balísticos intercontinentais SS-24. Com assistência financeira dos Estados Unidos (dentro do programa Nann-Lugar) e da Federação Russa, desempenhou papel importante na implementação oportuna dessas medidas. Hoje, a Ucrânia é um exemplo de uma política coerente e equilibrada no âmbito de desarmamento nuclear e de não proliferação dessas armas. Isso é confirmado pela total observância do nosso compromisso de retirar do nosso território as reservas de urânio altamente enriquecido e pela participação ativa em iniciativas internacionais para garantir o desarmamento nuclear global. A atividade do nosso país nesse contexto foi muito apreciada pela comunidade internacional, durante a Cúpula de Seul sobre Segurança Nuclear, em março de 2012.
Denominação de arma nuclear |
Quantidades em 01.01.1992 |
Mísseis balísticos intercontinentais baseados em silo PC-18 (SS-18 Satan) |
130 |
Mísseis balísticos intercontinentais baseados em silo PC-22 (SS-24) |
46 |
Bombardeiros estratégicos Ty-160 |
19 |
Bombardeiros estratégicos Ty-95MC |
25 |
T&D - O complexo industrial-militar ucraniano hoje. As perspectivas de desenvolvimento, marcos importantes e seus clientes.
Ministro Lebedev - Anos após a independência da Ucrânia, o conjunto industrial militar herdado da União Soviética sofreu muitas transformações. Um passo importante foi a criação, em 2010, do Complexo Estatal Ukro-boronprom, que envolveu mais de 130 empresas. Hoje, a Ucrânia tem capacidade de criar e produzir veículos blindados competitivos, armas de alta precisão, peças de artilharia, navios de guerra, veículos militares, meios de navegação, de comunicação e guerra eletrônica.
Nossa indústria de defesa tem um grande potencial para a modernização e reparos de armas e equipamentos, em particular, aviões. Empresas ucranianas de aviação realizam modernização de aeronaves de combate MiG-29 e Su-27, de instrução L-39, e de helicópteros de ataque Mi-24. Projeto promissor de grande escala na indústria da aviação é a aeronave de transporte militar nacional An-70.
Está sendo realizada a modernização dos nossos blindados T-64B para o padrão Bulat. Modernizado, o veículo tem um sistema de mira avançado e novas armas, incluindo mísseis guiados. Está previsto modificar o sistema de controle de fogo do T-64B para permitir tiros guiados de 125mm Combat.
Também no futuro próximo, a indústria de defesa ucraniana planeja começar uma modernização profunda nos veículos de patrulha e reconhecimento BRDM-2, que serão equipados com módulos de combate modernos, meios de inteligência e controle de fogo. Um dos passos importantes para o desenvolvimento de carros de combate é o Oplot (ver T&D nº 96), cuja capacidade de combate e desempenho corresponde ao nível dos melhores padrões mundiais.
Recentemente, foi lançado o novo blindado de produção nacional BTR-4E. No futuro, ele poderá ser uma plataforma universal de base para mísseis antiaéreos e sistemas de armas especiais. O motor ucraniano colocado no BTR foi testado sob temperaturas extremamente altas no Iraque e provou suas qualidades. Continua o desenvolvimento gradual das empresas de defesa na área de produtos rádio-eletrônicos. Temos a produção de ciclo fechado de equipamento de radar, mísseis anticarro e mísseis de médio alcance ar-ar, armamentos com alta tecnologia.
Durante os treinamentos experimentais de pesquisa de comando e pessoal Perspectiva 2012, no outono passado, foram realizados testes de munição de alta precisão de produção doméstica, de 152mm, projetada para destruir veículos blindados, postos de comando e outros alvos protegidos e pode ser aplicada em sistemas de artilharia modernos. Espera-se que ela se torne altamente competitiva nos mercados mundiais, uma vez que, por suas características, ela é melhor do que congêneres estrangeiras, mais poderosa, menor e mais leve. Gostaria de destacar que, atualmente, somente alguns países detêm a tecnologia de produção deste tipo de arma. Outros, obtiveram a tecnologia por licença.
T&D - Como pode ser implementada a cooperação entre a Ucrânia e o Brasil na área de defesa? Há alguns projetos especiais que seu país gostaria de oferecer?
Ministro Lebedev - Podemos começar muitos projetos promissores na área de defesa. Em particular, a participação da Ucrânia no reequipamento da Marinha do Brasil, através da construção de modernas corvetas e barcos de patrulha, fabricação e fornecimento de modernos veículos blindados, aviões de transporte militar, o desenvolvimento de mísseis e sistemas de mísseis de artilharia, bem como a cooperação na área de defesa aérea em particular, a produção de estações de radar, modernização dos sistemas de mísseis de defesa aérea, e muito mais.
Projetos conjuntos podem ser implementados no âmbito do Acordo entre o Gabinete de Ministros da Ucrânia e o Governo da República Federativa do Brasil, sobre cooperação técnico-militar, de 25 de outubro de 2011, que prevê a criação da Comissão Conjunta Ucraniano-Brasileira de Cooperação Técnico-Militar.
T&D - Um dos principais programas do Ministério da Defesa do Brasil diz respeito а construção de sistemas de defesa aérea. A Ucrânia tem uma vasta experiência nesse campo. É possível transferir a tecnologia de fabricação desses sistemas para as empresas de defesa do Brasil?
Ministro Lebedev - Hoje em dia, nos mercados mundiais de armas, a venda de equipamento militar pronto está desacelerando gradualmente, abrindo espaço para a venda de tecnologias de defesa e a criação de "joint ventures". Essas tendências são típicas para a Ucrânia. São questões complexas e são consideradas levando em conta interesse de organizações governamentais e entidades empresariais da Ucrânia. Elas podem ser objeto de discussão no âmbito da comissão citada.
T&D - Qual é sua opinião pessoal sobre a República Federativa do Brasil e que mensagem gostaria de enviar?
Ministro Lebedev - As relações entre nossos países têm caráter estratégico. O Brasil é um bom amigo, parceiro confiável e estável da Ucrânia no continente sul-americano. Hoje, o Brasil, com seu povo talentoso, grande história e cultura é um dos principais "players" globais e nós estamos orgulhosos de nossa amizade. Tenho a satisfação de destacar que as relações entre os nossos países atingiram um nível qualitativamente novo. Eu desejo que essa cooperação continue a desenvolver-se rapidamente e permaneça mutuamente benéfica. O avanço no nosso diálogo vai promover os interesses comuns em muitas áreas, inclusive na defesa. Sinceramente, eu desejo sucesso ao Brasil, com suas iniciativas importantes de governo e, аs pessoas, felicidade e prosperidade!