Repórter especial de Tecnologia & Defesa, Kaiser David Konrad, de Dnipropetrovsk
Brasil e Ucrânia estão prosseguindo no seu intento de explorar comercialmente missões de lançamento de satélites por meio da empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS). No ano passado, foi inaugurada na cidade de Dnipropetrovsk, a planta de testes e integração de sistemas do foguete Cyclone 4 e sua plataforma de lançamento. Em uma área situada próximo аs instalações das companhias estatais Yuzhnoye, responsável pelo projeto e desenvolvimento, e Yuzhmash, especializada na fabricação e industrialização, estão sendo feitos todos os testes de equipamentos necessários а operação do Cyclone 4, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, antes do envio para montagem e integração final no sítio brasileiro.
Como parte de seus esforços para se posicionar no mercado de lançamentos espaciais, a ACS já concretizou a apresentação técnica do projeto para um grupo de empresas seguradoras, que teve como objetivo mostrar o status do programa e o nível de confiabilidade dos sistemas envolvidos, uma vez que os seguros podem representar até 25% do valor total do lançamento. Assim, quanto mais confiável um lançador é, menores são os prêmios exigidos, daí a importância de se manter um estreito relacionamento com esses stakeholders.
A cooperação espacial entre o Brasil e a Ucrânia tem origens no final da década de 1990. Mas, foi em 2003, com a assinatura do Tratado sobre Cooperação de Longo Prazo na Utilização do Veículo de Lançamento Cyclone 4 no Centro de Lançamento de Alcântara, que começaram as definições. Três anos depois, foi criada a Alcântara Cyclone Space com a finalidade de viabilizar o projeto, administrar o complexo de lançamento e explorá-lo comercialmente. A expectativa é que, em 2014, seja realizado o primeiro lançamento de vários satélites a partir do território nacional.
PERCALÇOS
O que se espera é que não haja mais contingenciamentos nos investimentos e que os governos brasileiro e ucraniano cumpram com suas partes de responsabilidades no projeto, dando especial atenção a ele, da mesma forma que a outros projetos estratégicos que envolvem cooperação tecnológica internacional, pois a viabilidade da ACS nesta fase depende de que isso realmente ocorra, com a liberação dos recursos programados.
Outra dificuldade vivida pela ACS é a ausência de um acordo de salvaguardas tecnológicas entre o Brasil e os Estados Unidos, tema polêmico e que teve grande destaque na mídia no início da década de 2000. Estima-se que a maioria dos satélites comerciais potencialmente acessíveis а ACS, algo em torno de 70% a 80%, contenham pelo menos um componente norte-americano, protegido pelo regime ITAR (International Traffic in Arms Regulation). Assim, a exportação de tais componentes e/ou satélites para lançamento a partir de Alcântara somente pode ser autorizada pelo Departamento do Estado, e desde que haja um acordo de salvaguardas tecnológicas (conhecido tecnicamente como TSA) em vigor entre os dois países o que, atualmente, não é o caso. Isso pode tornar inviável a operação da ACS e prejudicar o retorno dos investimentos feitos pelos sócios.
Como resultado da visita de Barack Obama ao Brasil, em 2011, foram iniciadas negociações visando a assinatura de um TSA. Fontes dizem que a proposta brasileira já foi submetida аs autoridades de Washington, mas a empresa, embora sendo a parte mais interessada no acordo, não foi consultada durante a preparação do documento. "É imprescindível que seja dada pelas autoridades brasileiras a prioridade quanto аs negociações com as autoridades norte-americanas sobre o TSA, bem como que a ACS seja envolvida nas negociações ou consultada sobre o texto antes de a proposta ser enviada para os Estados Unidos", afirmou а T&D uma pessoa bastante familiarizada com o assunto.
A CONCORRÊNCIA: UMA BREVE ANÁLISE
O Cyclone 4 é um veículo lançador de classe média, capaz de colocar em órbita cargas de até 5.300 kg em órbita baixa (500 km), ou de 1.600 kg em órbita de transferência geoestacionária. Os principais lançadores de sua categoria incluem os norte-americanos Falcon-9 e Antares, o chinês Longa Marcha 2, os indianos PSLV e GSLV, e o russo Soyuz-2, sendo que os Soyuz e Antares são bem mais caros que o Cyclone 4 e, em princípio, não seriam muito interessantes comercialmente.
O Falcon-9 oferece um preço de tabela competitivo e é capaz de transportar mais carga útil que o Cyclone 4. Mas, nos próximos anos, o veículo terá um extenso manifesto de lançamentos a cumprir, o que gera dúvidas quanto а capacidade de fabricação acompanhar a demanda. Além disso, embora sua operadora divulgue publicamente o preço de US$ 54 milhões como frete, um relatório interno da NASA, a agência espacial norte-americana, projeta um custo, em 2012, de US$ 111 milhões (trata-se de lançamento de um satélite e não da cápsula orbital).
Do lado chinês, a família Longa Marcha é confiável e de preço atraente. Contudo, somente há tentativas de comercializar os foguetes mais recentes, da série 3 (3B), que são de maior capacidade (superior a cinco toneladas em órbita GTO) e, portanto, não competem com o Cyclone 4. Os lançadores da classe média (série 2), por enquanto, estão reservados para satisfazer a demanda doméstica. Outro ponto que desfavorece os foguetes chineses é que estão sujeitos аs restrições impostas pelo regime ITAR.
Já os lançadores indianos (PSLV e GSLV) oferecem um preço baixo, mas enfrentam o mesmo problema do ITAR. Também, o PSLV não apresenta disponibilidade imediata, uma vez que cada unidade de lançador é construída para uma missão específica, e leva muito menos carga útil que o Cyclone 4. O GSLV sofreu muitas falhas (em três dos últimos quatro lançamentos) o que, pelos critérios existentes, coloca-o fora do mercado.
No projeto Cyclone 4/ACS, o Brasil entra com a infraestrutura do CLA, sítio espacial situado numa área com excelente localização geográfica, um pouco mais de dois graus da linha do Equador, o que permite realizar o lançamento de satélites para órbitas equatoriais com custos menores e altamente competitivos. É um dos melhores pontos para a atividade no mundo. Já os ucranianos trazem o know how de quem desenvolve, fabrica e lança foguetes com sucesso há várias décadas, com tecnologias maduras e testadas.
O Cyclone 4 representa a mais recente e avançada versão da família Cyclone. Para se ter uma ideia, seus antecessores, os Cyclone 2 e 3, que estiveram em operação de 1969 a 2009, realizaram juntos 222 lançamentos com sucesso. O Cyclone 2 tem uma história inédita a esse respeito; todos os seus 106 lançamentos foram exitosos. O Cyclone 4 utilizará a tecnologia dos primeiros dois estágios extremamente confiáveis dos anteriores e terá o último estágio empregando as melhores tecnologias desenvolvidas até agora. A área reservada para a carga útil é capaz de acomodar qualquer tipo de satélite de porte médio, e ainda tem a possibilidade de lançar múltiplas cargas em diferentes órbitas.
Com um potencial considerável de mercado e a proposta de lançar quatro a seis foguetes ao ano por um custo aproximado de R$ 100 milhões cada, a ACS pode colocar Brasil e Ucrânia na vanguarda das nações que exploram comercialmente a atividade espacial, alavancando o desenvolvimento de uma indústria espacial no País.
A parceria espacial com os ucranianos é promissora e pode render outros bons frutos, pois a companhia de projeto e desenvolvimento Yuzhnoye, de Dnipropetrovsk, uma das líderes mundiais em tecnologia de satélites e veículos lançadores, chega ao Brasil para cooperar com uma importante empresa nacional da área de defesa, para desenvolver soluções espaciais e tecnologias até então indisponíveis aos brasileiros, e que vai proporcionar uma oportunidade ímpar para um rápido desenvolvimento, possibilitando a autonomia completa na área de projeto, produção e integração satelital.
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O Cyclone 4 é um veículo lançador de classe média, capaz de colocar em órbita cargas de até 5.300 kg em órbita baixa (500 km), ou de 1.600 kg em órbita de transferência geoestacionária
Com um potencial considerável de mercado e a proposta de lançar quatro a seis foguetes ao ano por um custo aproximado de R$ 100 milhões cada, a ACS pode colocar Brasil e Ucrânia na vanguarda das nações que exploram comercialmente a atividade espacial
Vantagens do Cyclone 4 para o Brasil
Alcântara Cyclone Space é uma empresa constituída por um tratado binacional ratificado pelo Congresso Nacional e promulgado pelo Decreto Presidencial nº 5.436, de 28.04.2005, o que equivale a uma lei brasileira.
A Portaria n° 084/GSIPR/CH, de 01.04.10, do Conselho de Defesa Nacional, atribuiu ao Projeto Cyclone 4 o status do projeto estratégico de segurança nacional.
O Cyclone 4 não compete com o VLS. Na órbita circular equatorial (LEO), de 1.200 km de altitude, sua capacidade de injeção de carga útil é 35 vezes maior.
Além do Brasil, a Ucrânia possui outros projetos internacionais em andamento, como o primeiro estágio do foguete ANTARES (Orbital Sciences, Estados Unidos) e o último estágio do foguete VEGA (União Europeia).
Entre 1991 e 2012, foram feitos 129 lançamentos de foguetes ucranianos, lançados 248 satélites em interesses dos programas nacionais espaciais e sob a encomenda de 15 países, como os Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Japão, França, Rússia, Canadá, Suécia, Egito, Israel, Emirados Árabes Unidos, entre outros.