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Projeto estratégico Cyclone 4: Brasil e Ucrânia vão ao Espaço
08 abril 2013 10:01

Repórter especial de Tecnologia & Defesa, Kaiser David Konrad, de Dnipropetrovsk

Brasil e Ucrânia estão prosseguindo no seu intento de ex­plorar comercialmente mis­sões de lançamento de satélites por meio da empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS). No ano passa­do, foi inaugurada na cidade de Dnipropetrovsk, a planta de testes e integração de sistemas do foguete Cyclone 4 e sua plataforma de lança­mento. Em uma área situada próximo аs instalações das companhias esta­tais Yuzhnoye, responsável pelo pro­jeto e desenvolvimento, e Yuzhmash, especializada na fabricação e industri­alização, estão sendo feitos todos os testes de equipamentos necessários а operação do Cyclone 4, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, antes do envio para montagem e integração final no sítio brasileiro.

Como parte de seus esforços para se posicionar no mercado de lançamentos espaciais, a ACS já concreti­zou a apresentação técnica do projeto para um grupo de empresas segura­doras, que teve como objetivo mos­trar o status do programa e o nível de confiabilidade dos sistemas envolvidos, uma vez que os seguros podem re­presentar até 25% do valor total do lançamento. Assim, quanto mais confiável um lançador é, menores são os prêmios exigidos, daí a importân­cia de se manter um estreito relacio­namento com esses stakeholders.

A cooperação espacial entre o Bra­sil e a Ucrânia tem origens no final da década de 1990. Mas, foi em 2003, com a assinatura do Tratado sobre Coope­ração de Longo Prazo na Utilização do Veículo de Lançamento Cyclone 4 no Centro de Lançamento de Alcântara, que começaram as definições. Três anos depois, foi criada a Alcântara Cyclone Space com a finalidade de viabilizar o projeto, administrar o com­plexo de lançamento e explorá-lo co­mercialmente. A expectativa é que, em 2014, seja realizado o primeiro lança­mento de vários satélites a partir do território nacional.

PERCALÇOS

O que se espera é que não haja mais contingenciamentos nos investi­mentos e que os governos brasileiro e ucraniano cumpram com suas partes de responsabilidades no projeto, dan­do especial atenção a ele, da mesma forma que a outros projetos estratégi­cos que envolvem cooperação tecnológica internacional, pois a viabi­lidade da ACS nesta fase depende de que isso realmente ocorra, com a li­beração dos recursos programados.

Outra dificuldade vivida pela ACS é a ausência de um acor­do de salvaguardas tecnológicas entre o Brasil e os Estados Unidos, tema polêmi­co e que teve grande destaque na mídia no início da década de 2000. Estima-se que a maioria dos satéli­tes comerciais poten­cialmente acessíveis а ACS, algo em tor­no de 70% a 80%, contenham pelo me­nos um componente norte-americano, protegido pelo re­gime ITAR (International Traffic in Arms Regulation). Assim, a exporta­ção de tais componentes e/ou satéli­tes para lançamento a partir de Alcântara somente pode ser autoriza­da pelo Departamento do Estado, e desde que haja um acordo de salvaguardas tecnológicas (conhecido tec­nicamente como TSA) em vigor en­tre os dois países o que, atualmen­te, não é o caso. Isso pode tornar inviável a operação da ACS e preju­dicar o retorno dos investimentos fei­tos pelos sócios.

Como resultado da visita de Barack Obama ao Brasil, em 2011, foram iniciadas ne­gociações visando a assinatura de um TSA. Fontes dizem que a proposta bra­sileira já foi subme­tida аs autoridades de Washington, mas a empresa, embora sendo a parte mais interessada no acor­do, não foi consulta­da durante a prepa­ração do documento. "É imprescindível que seja dada pelas autoridades brasilei­ras a prioridade quanto аs negociações com as auto­ridades norte-americanas sobre o TSA, bem como que a ACS seja en­volvida nas negociações ou consulta­da sobre o texto antes de a proposta ser enviada para os Estados Unidos", afirmou а T&D uma pessoa bastante familiarizada com o assunto.

A CONCORRÊNCIA: UMA BREVE ANÁLISE

O Cyclone 4 é um veículo lançador de classe média, capaz de colocar em órbita cargas de até 5.300 kg em órbita bai­xa (500 km), ou de 1.600 kg em órbita de transferên­cia geoestacionária. Os prin­cipais lançadores de sua ca­tegoria incluem os norte-americanos   Falcon-9   e Antares, o chinês Longa Marcha 2, os indianos PSLV e GSLV, e o russo Soyuz-2, sendo que os Soyuz e Antares são bem mais caros que o Cyclone 4 e, em princípio, não seriam muito interessantes co­mercialmente.

O Falcon-9 oferece um preço de tabela competitivo e é capaz de transportar mais carga útil que o Cyclone 4. Mas, nos próximos anos, o veículo terá um extenso manifes­to de lançamentos a cumprir, o que gera dúvidas quanto а capacidade de fabricação acompanhar a demanda. Além disso, embora sua operadora di­vulgue publicamente o preço de US$ 54 milhões como frete, um relatório interno da NASA, a agência espacial norte-americana, projeta um custo, em 2012, de US$ 111 milhões (trata-se de lançamento de um satélite e não da cápsula orbital).

Do lado chinês, a família Longa Mar­cha é confiável e de preço atraente. Contudo, somente há tentativas de comercializar os foguetes mais recen­tes, da série 3 (3B), que são de maior capacidade (superior a cinco toneladas em órbita GTO) e, portanto, não com­petem com o Cyclone 4. Os lançadores da classe média (série 2), por enquan­to, estão reservados para satisfazer a demanda doméstica. Outro ponto que desfavorece os fogue­tes chineses é que estão sujeitos аs res­trições impostas pelo regime ITAR.

Já os lançadores indianos (PSLV e GSLV) oferecem um preço baixo, mas en­frentam o mesmo problema do ITAR. Também, o PSLV não apresenta disponibi­lidade imediata, uma vez que cada unida­de de lançador é construída para uma missão especí­fica, e leva muito menos carga útil que o Cyclone 4. O GSLV sofreu mui­tas falhas (em três dos últimos quatro lançamentos) o que, pelos critérios exis­tentes, coloca-o fora do mercado.

No projeto Cy­clone 4/ACS, o Brasil entra com a infraes­trutura do CLA, sítio espacial situado numa área com excelente localização geográfi­ca, um pouco mais de dois graus da linha do Equador, o que permi­te realizar o lançamen­to de satélites para ór­bitas equatoriais com custos menores e altamente competitivos. É um dos melhores pontos para a atividade no mundo. Já os ucranianos trazem o know how de quem desenvolve, fa­brica e lança foguetes com sucesso há várias décadas, com tecnologias maduras e testadas.

O Cyclone 4 representa a mais re­cente e avançada versão da família Cyclone. Para se ter uma ideia, seus antecessores, os Cyclone 2 e 3, que estiveram em operação de 1969 a 2009, realizaram juntos 222 lançamen­tos com sucesso. O Cyclone 2 tem uma história inédita a esse respeito; todos os seus 106 lançamentos foram exitosos. O Cyclone 4 utilizará a tecnologia dos primeiros dois estágios extremamente confiáveis dos anterio­res e terá o último estágio empregan­do as melhores tecnologias desenvol­vidas até agora. A área reservada para a carga útil é capaz de acomodar qualquer tipo de satélite de porte médio, e ainda tem a possibilidade de lançar múltiplas cargas em dife­rentes órbitas.

Com um potencial considerável de mercado e a proposta de lançar qua­tro a seis foguetes ao ano por um custo aproximado de R$ 100 milhões cada, a ACS pode colocar Brasil e Ucrânia na vanguarda das nações que explo­ram comercialmente a atividade es­pacial, alavancando o desenvolvimen­to de uma indústria espacial no País.

A parceria espacial com os ucranianos é promissora e pode render outros bons frutos, pois a companhia de projeto e desenvolvimento Yuzhnoye, de Dnipropetrovsk, uma das líderes mundiais em tecnologia de satélites e veículos lançadores, chega ao Brasil para cooperar com uma importante empresa nacional da área de defesa, para desenvolver soluções espaciais e tecnologias até então indisponíveis aos brasileiros, e que vai proporcionar uma oportunidade ímpar para um rápido desenvolvimento, possibilitando a autonomia completa na área de projeto, produção e integração satelital.

 

* * *

O Cyclone 4 é um veículo lançador de classe média, capaz de colocar em órbita cargas de até 5.300 kg em órbita baixa (500 km), ou de 1.600 kg em órbita de transferência geoestacionária

  

Com um potencial considerável de mercado e a proposta de lançar quatro a seis foguetes ao ano por um custo aproximado de R$ 100 milhões cada, a ACS pode colocar Brasil e Ucrânia na vanguarda das nações que explo­ram comercialmente a atividade espacial

 

Vantagens do Cyclone 4 para o Brasil

  • Desenvolvimento das empresas do setor espacial, as quais são de maior valor científico agregado, além de ou­tros setores de altas tecnologias, o que determina o nível do potencial tecnoló­gico e industrial do País. Empresas brasileiras já demonstraram interes­se em participar na produção de componentes do primeiro foguete Cyclone 4. A porta para o desenvol­vimento em conjunto com o Brasil do foguete Cyclone 5 já foi aberta, o que representa um enorme salto.
  • Entrada do Brasil no clube de países detentores de modernas tecnologias de construção de fo­guetes para a colocação de car­gas úteis a partir de centro de lan­çamento próprio, permitindo-lhe realizar política independente no campo das atividades espaciais. • Exploração de moderno com­plexo espacial em prol da im­plantação do Programa Espa­cial do Brasil e da utilização de tecnologias espaciais para a solução de questões econô­micas imediatas: garantia das comunicações, tarefas de de­fesa do meio ambiente, meteorologia, suporte aos sistemas de navegação.
  • Obtenção de lucros com a atividade da ACS e compensação dos recursos investidos para o desenvolvimento da infra-estrutura geral do CLA.
  • Atração de investimentos ucranianos, os quais constituem a contribuição da Ucrânia para a criação do complexo de lançamento em Alcântara, além do valor investido no Cyclone 4.
  • Criação de postos de trabalho com a construção e operação do complexo de lançamento e com a futura exploração do Complexo Espacial do Cyclone 4, e o desenvolvimento da infraestrutura geral e de transportes do Estado do Maranhão, com reflexos na Amazônia Oriental.
  • Especialistas e empresas brasileiras obterão capacitação tecnológica e experiência de criação de moderna base terrestre e de sistema de preparação e exploração de serviços de lançamentos.
  • Como resultado desse Projeto, serão incorporadas melhorias na infraestrutura geral que poderão ser utilizadas para outros complexos de lançamentos.
  • A ACS tornar-se-á uma referência de centro de lançamento de primeira ordem para os países da América Latina, os quais buscam realizar seus programas espaciais e já demonstram interesse em lançar cargas úteis.

 

Alcântara Cyclone Space é uma empresa constituída por um trata­do binacional ratificado pelo Congres­so Nacional e promulgado pelo Decreto Presidencial nº 5.436, de 28.04.2005, o que equivale a uma lei brasileira.

A Portaria n° 084/GSIPR/CH, de 01.04.10, do Conselho de Defesa Na­cional, atribuiu ao Projeto Cyclone 4 o status do projeto estratégico de segu­rança nacional.

O Cyclone 4 não compete com o VLS. Na órbita circular equatorial (LEO), de 1.200 km de altitude, sua capacidade de injeção de carga útil é 35 vezes maior.

Além do Brasil, a Ucrânia possui outros projetos internacionais em an­damento, como o primeiro estágio do foguete ANTARES (Orbital Sciences, Estados Unidos) e o último estágio do foguete VEGA (União Europeia).

Entre 1991 e 2012, foram feitos 129 lançamentos de foguetes ucranianos, lançados 248 satélites em interesses dos programas nacionais espaciais e sob a encomenda de 15 países, como os Estados Unidos, Reino Unido, Ale­manha, Japão, França, Rússia, Cana­dá, Suécia, Egito, Israel, Emirados Árabes Unidos, entre outros.

Tecnologia & Defesa №132, Kaiser David Konrad

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