Em entrevista ao Valor, o ministro das Relações Exteriores ucraniano, Pavlo Klimkin, pediu que o governo brasileiro pressione o presidente russo, Vladimir Putin, para que Moscou facilite um cessar-fogo na região. "Para mim, é crítico que o Brasil, como um país-chave, apoie as obrigações internacionais, os valores democráticos e a ideia de que as regras mundiais sejam sempre cumpridas."
A Ucrânia vive um conflito no leste do país. Após a revolta popular que derrubou o presidente pró-Rússia, em fevereiro, regiões ucranianas com população de origem russa começaram a se rebelar. Primeiro foi a Crimeia, que aprovou, num plebiscito, a separação da Ucrânia e pediu para se integrar à Rússia. Moscou aprovou a anexação. Em seguida, foi a vez das de duas regiões do leste da Ucrânia, Donetsk e Luhansk. Nesses casos, a Rússia não apoiou abertamente a separação, mas a Ucrânia acusa Moscou de ajudar e armar os rebeldes separatistas.
Na sexta-feira, o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, que assumiu em junho, informou que a Rússia e os separatistas rejeitaram todas as propostas de negociação de um cessar-fogo. A Ucrânia vem realizando uma ofensiva militar para retomar as áreas ocupadas pelos separatistas.
"Minha mensagem [para a reunião dos Brics] é que é preciso entender a responsabilidade da Rússia nestes eventos [na Ucrânia] e fazer pressão para que se alcance um cessar-fogo bilateral sem nenhuma pré-condição", afirmou o ministro Klimkin, em entrevista por telefone, de Kiev. "Acho que todos os países [os Brics] deveriam ser equilibrados e sem favorecimento [nessa questão]."
O ministro apelou especificamente ao Brasil, por sediar a reunião de cúpula e por ser "um dos mais importantes países democráticos" do mundo. "Espero que o Brasil apoie firmemente o princípio-chave de independência e inviolabilidade de fronteiras, que apoie a ideia de um mundo baseado em regras, e a Rússia violou uma série de regras, inclusive a lei internacional e compromissos políticos. É importante, num mundo globalizado, cumprir as regras", disse Klimkin, que, curiosamente, nasceu na Rússia e se formou em física e matemática em Moscou.
Apesar do apelo ucraniano, os Brics têm apoiado cautelosamente a Rússia nessa crise. Brasil, China, Índia e África do Sul se abstiveram na votação na Assembleia Geral da ONU que condenou a anexação da Crimeia pela Rússia.
Klimkin evita criticar esses países pela abstenção. "Não estou desapontado. Eu sou, é claro, favorável a um contínuo apoio internacional à Ucrânia. E foi exatamente uma demonstração de forte apoio o que obtivemos na resolução [na ONU], que foi proposta por alguns amigos e parceiros da Ucrânia."
"Claro que há as questões de parceria política e de parceria econômica [nos Brics], mas, ao final, há também uma questão de valores. E, para países como o Brasil, que é uma democracia, deveria ser sobre valores também. A Copa do Mundo prova que o Brasil é considerado e percebido como um importante membro da comunidade internacional."
Klimkin disse que houve um mal-entendido quanto a declarações recentes do novo ministro da Defesa ucraniano, que prometeu retomar a região da Crimeia, sugerindo uma possível ação militar. "Mas o clima na Crimeia vai mudar. Há muitos ucranianos lá, muitos tártaros, mas também muitos russos que são contra a anexação pela Rússia. A situação econômica da Crimeia é difícil, pois cerca de 70% das pessoas dependem diretamente do turismo, e a maior parte dos turistas na região veem da Ucrânia. O clima lá já mudou e vai continuar mudando, num sentido negativo em relação à ocupação russa. E tenho certeza de que retomar a Crimeia será um processo pacífico."
Quanto ao conflito no leste da Ucrânia, ele defendeu o plano do presidente Poroshenko, que prevê uma escalada militar, seguida de ajuda econômica e humanitária e de reformas políticas. "No momento estamos buscando um cessar-fogo bilateral incondicional, a libertação de reféns e o monitoramento e a verificação do cessar-fogo por observadores independentes. Mas também é crucial controlar as fronteiras", afirmou. Por enquanto, não houve acordo para a implementação do cessar-fogo.
Entre as questões humanitárias, o ministro destaca a reconstrução de infraestrutura destruída e a retomada do pagamento de aposentadorias, que estão atrasadas nas regiões separatistas. Mas o mais importante é o eventual futuro arranjo institucional com a população de origem russa no leste da Ucrânia. "Temos a ideia de uma ampla descentralização lá, de realizar eleições locais, de indicar representantes locais, mas também a ideia-chave de que cada comunidade deverá decidir que língua deseja falar, se ucraniano ou russo. Queremos dar às pessoas mais poder, mais liberdade e mais responsabilidades. Essa é a nosso proposta para resolver essa crise."
Enquanto não se chega a um acordo, porém, o número de vítimas segue crescendo. Segundo o governo ucraniano, na semana passada, 478 civis foram mortos nas operações militares nas últimas semanas no leste do país.
Humberto Saccomandi
Jornal Valor Econômico
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